31.3.10

Sobre o que se quer fazer e o que se deve fazer...

Somos treinados, aos menos alguns de nós, desde a mais tenra infância, para fazermos o que se deve. Devemos ser bons cristãos e honestos cidadãos - devemos desejar a paz no Timor Leste, mesmo sem fazer a menor idéia de onde fica isso, devemos questionar as autoridades sobre o que elas estão fazendo para diminuir as emissões de CO2, mas nada nos faria deixar o carro em casa, por que sempre pode chover...

Bons cristãos e honestos cidadãos! O problema é que desejamos a mulher do próximo, não guardamos dias santos, estacionamos em lugar proibido, damos sempre um jeitinho no nosso IR, isso só pra falar de algumas coisas que nos distanciam, por vezes, do dever ser. É possível casar o que queremos com o que devemos fazer? Será a vida uma eterna luta entre o que realmente gostaríamos, por aquilo a que nos obrigamos?

Óbvio que estou usando extremos e pensando em extremos, mas quando um adolescente diz que vai fazer vestibular para artes cênicas e nós o dissuadimos desta idéia em nome de uma carreira que "deverá" dar-lhe mais dinheiro nós não estamos já dizendo que o que ele quer, o que ele imagina lhe fará feliz, não lhe é certo? Não lhe estamos dizendo: "o que você gosta não é importante, mas o que você deve é o que decide sua vida".

Por outro lado temos o árido século XXI com a idéia de que tudo e todos têm que produzir e dar "resultados"; neste mundo o mesmo adolescente que não foi dissuadido e agora formado, está fazendo trabalho voluntário, participando de peças que ninguém, além de dois amigos da escola, vai ver e que percebe que não pode planejar absolutamente nada por que não tem dinheiro e que todos os dias vê que suas perspectivas diminuem; fica a pergunta, será que não foi pior deixar que ele fizesse o que queria, o que sonhou? Será que no futuro estaremos preparados para um amor e uma cabana, viver de sonhos e desejos de nossas infâncias ou queremos mesmo é ir pro show do Cold Play e depois ainda esticar a noite chegando em casa as 6h da manhã e tendo gastado uns R$ 500,00 sem achar que passaremos fome no restante do mês ou que somos monstros por não termos dado metade deste dinheiro para reconstruir o Haiti?

Querer... dever... há ainda uma porção de implicações dentro destes dois conceitos. Eu, por exemplo, gostaria de viver, e digo, ser sustentado, para ler, escrever e viajar... mas dada a minha pouca competência, e o azar de não ter nascido rico ou com tino político, vou continuar tentando descobrir o que mais eu gostaria de fazer, pois o que devo fazer eu acho impossível...

29.3.10

Sobre a competência de viver...



Penso que viver, e pra isso uso a imagem cristã da vida em abundância, seja essencialmente uma questão de competência. Vivem, em/com abundância, os mais competentes, os mais aptos a arcar com suas escolhas e mais sagazes (pensei em usar sábio ao invés de sagaz, mas seria demasiado cristão) na louca e necessária tarefa de eleger prioridades.

Acabo por resumir a competência de viver, na sagacidade de bem escolher. Bem escolher, no viver odierno independe de moral, depende sim de antecipar-se o por vir, as conseqüência da escolha e arcar com essas conseqüência, pro bem, ou pro mal. Vejo quem, por incompetência, imputa a outros as conseqüências de suas escolhas... ora foi o azar, esse vilão invisível, mas ímpio por natureza; ora será a inveja de fulano ou a escolha de outros... Mesmo se não descosidero por inteiro a influência altrui em nossas escolhas particulares.


E tem os que atribuem ao além, ao mágico, ao fantástico, suas escolhas: se foram bem sucedidas, graças a deus, se deu errado, foi falta de fé, foi o diabo, ou foram os outros: desses, que mesmo incompetentes na arte de viver, tendem a sofrer menos, mesmo se vivem um vazio de realização humana em oposição à superposição das mãos do divino em suas vidas, confesso ter uma inveja passageira... mas é bem passageira essa inveja... pois eu, mesmo incompetente, adoro me vangloriar e bem valorizar minhas conquistas, coisa que meus amigos cheios de fé, jamais o farão.

Pus-me a pensar sobre a competência de viver unicamente para entender minhas falhas sem fazer uso da minha já cansada auto-compaixão. Larguei tudo sem um plano bem definido, sigo uma estrada que não faço idéia do tamanho, alio-me a quem não me pode vir em auxílio, quero o que não está-me ao alcance, sonho com o impossível... ou seja, demonstro minha inépcia a cada respiro.


E você, amigo de agora, em que medida sua inabilidade em viver se demonstra em suas escolhas... é possível reestruturar em vida às margens da falência e conseguir uma certificação ISO 1405 de bem viver... neste caso tenho só perguntas reticentes que nem pontos de interrogação merecem.

24.3.10

Sobre o que não foi escrito...


Santos têm, para sua justificativa, as noites escuras da alma; sempre gostei desta imagem. Alguns santos da tradição católica relatam ter passado por períodos em que não conseguiam sentir qualquer traço de seu relacionamento com seu deus ou que tinham a alma árida às graças que se lhes eram apresentadas. Nestes momentos de escuridão eles padeciam, mas lhes servia também para, no depois, verificar o quão grande era o amor de seu deus, visto que sofrer, na tradição cristão onde deus sofre a pena da cruz, é uma espécie de "participação" à divindade, é fazer parte dos desígnios de deus por provação.

Escritores tem suas ausências criativas, momentos em que não se lhes vêem a cabeça qualquer personagem, todos fogem. Há momentos em que nada consegue fazer sentido e nenhuma estória dá conta de ser contada. Alguns escritores famosos no panteão da literatura contemporânea, em momentos como estes, decidiram viajar, casar, ater-se a outras atividades, resolveram ou ir ao encontro dos personagens ou esperar que estes resolvessem que era momento de regressar.

Em noites escuras da alma ou em ausências criativas, fico pensando naquilo que não foi escrito, naquilo que não foi produzido, naquilo que a aridez não permitiu que viesse a nós. Já ouvi em algum lugar de alguém sobre um escritor que afirmou que ele tinha bem mais livros dentro dele, livros não escritos, personagens que se haviam recusado de sair à publico, em fim, ele tinha mais livros dentro dele que livros publicados.

Essas idéias vieram a mim, e as torno públicas, por que eu sempre escrevo, mas faço uso da trivialidade, escrevo o mais vulgar daquilo que imagino. Tenho cadernos e este blog e minha cabeça freme de idéias e estórias (sim, estórias), mas vejo tv, escrevo no orkut e tergiveso, e procrastino de tal maneira que tudo fica preso dentro de mim.

Será que eu também estou tendo o direito à minha noite escura? Como nunca fui um criativo, não terei a mpáfia de achar que ausentou-se-me a criatividade.