11.3.09

A "pena" de viver... I

"E chegou ao seu último suspiro, aquele concedido aos que ainda tem de quem se despedir, e chegando ao fatídico momento, descobriu-se em débito e por isso desencorajado da despedida. Na hora do último, percebeu-se devedor e não obstante teve que descansar".

Trabalho, vivo cada respiro para não ter sobre minha lápide, ou impresso na memória dos meus, algo que se assemelhe ao que esta escrito acima. Fico pensando no que pode ser comutado em débito a alguém que se vai deste campo de labuta? A quem se pode dever na hora final? A a resposta mais recorrente que me chega aos sentidos é à Vida.

Viver é pena, viver é pena a ser descontada. A vida é só uma conseqüência, não é escolha objetiva e pensada; ela se nos é dada sem que a peçamos, acontece para todos com um tanto de obrigações.

Meu trabalho, o nosso trabalho, é fazer essa pena valer. Sendo viver uma pena, pena da qual não se escapa a não ser pela injúria da bruta renúncia, e não me azardo em julgar os que a escolhem, mas sendo pena compulsória, e sendo o MUNDO todo a cela que nos foi dada, nos cabe descontá-la bem.

8.3.09

Sobre vilania e heroísmo...


"Há falência na criação. É por isso que ando descontente. (...) Sim, tudo esta mal arrumado, nada se ajusta a nada, este velho mundo esta empenado, e eu passo para a oposição. Tudo vai de través; o universo impacienta-se. É como os filhos, quem os deseja não os tem, quem não os deseja tem-nos de sobra. Total: eu praguejo".

O trecho acima faz parte do discurso que Vitor Hugo põe na boca de Grantaire, um de seus personagens em Os Miseráveis; e, como quero falar de miséria, lembrei dele... e o acho perfeito para subtítulo de uma das últimas cenas da tragédia humana protagonizadas nestes dias por um eclesiástico católico, uma equipe médica e uma família de miseráveis.

O bispo de Olinda e Recife, usando de suas prerrogativas, excomungou a equipe médica, a mãe, e "todos" os que participaram da interrupção de uma gravidez de gêmeos de uma criança de 9 anos violentada, desde os 6 anos, pelo padrasto.

O bispo foi coerente com seu credo, foi tenaz na defesa daquilo que acredita... mas isso não me faz achar menos vil, absurda, estapafúrdia, uma ignomínia a atitude do eclesiástico. De modo geral admiro os heróis que defendem seus ideais; mas quando essa defesa vem a despeito do respeito pelo outro, quando a cegueira "moral" passa por cima de outrem para afirmar o credo, nestes casos a vilania supera o heroísmo.

Quando ouvi a primeira notícia do caso, a coisa que mais me fazia mal era pensar na criança... pensava nela como uma de minhas alunas da 5ª série, como minha sobrinha; sentia um desconforto na espinha em imaginar esta criatura indefesa sofrendo violência a mais de três anos e ainda por cima grávida de gêmeos. A violência física me fazia tremer, mas a violência psicológica me levava quase ao pranto.

A defesa da vida foi o ensejo do bispo, mas não creio... o que foi defendido foram suas convicções; defendidas com todo o egoísmo e inconseqüência que tais defesas comportam em si. Penso que ele nem levou em conta a criança que talvez não tivesse condições de parir duas outras, ele pensou no que cria e usou de suas prerrogativas. Aborto para ele é pecado passivo de excomunhão, mas estupro de criança é só grave. Ele alija da comunhão dos santos (é isso que em tese faz a excomunhão) pessoas que cumprem leis e tentam fazer dos males o menor, mas sem pensar uma vez se quer na vítima maior. Ouvi suas entrevistas, ele, reacionário e defensor de suas convicções, só fala do pecado, do direito á vida que teriam os embriões, mas não se refere àquela que corria o risco de ser só uma casca para gerar infelizes.

Esse senhor é um vil egoísta... pertence àquela raça que mete medo, seja pela compostura moral que pela falta de poesia.

Não é possível deixar de reconhecer todo o bem que parte dos religiosos fazem à sociedade, há trabalhos louváveis e que fazem a diferença na vida de muitas pessoas. Mas esse bem pode ser feito porque é o certo a fazer... sem precisar ser justificado por qualquer ideologia religiosa. Na verdade seria perfeito se a ajuda ao irmão fosse motivada mais pelo amor à humanidade, pelo amor, que pelo desejo de ir pro céu.

Na verdade queria mesmo (e queria sem querer que as pessoas queiram o que eu quero) é que o bem ao próximo fosse feito por vontade pura e simples; por desejo de ver o outro bem e pronto. Sem outros interesses; sem pensar no que acredito e defendo; sem julgamento sem critério (pois quais eram os critérios do bispo além de uma crença)... mas como já disse Vitor Hugo através de seu personagem "este velho mundo esta empenado, e eu passo para a oposição. Eu praguejo!"